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Museus Orgânicos no Cariri fazem da cultura um caminho de sustento e movimentam a economia local

Mestres populares transformam a cultura em sustento, no Cariri. Claudiana Mourato/Secult/Thiago Gadelha Na região do Cariri, no Ceará, o reconhecimento artís...

Museus Orgânicos no Cariri fazem da cultura um caminho de sustento e movimentam a economia local
Museus Orgânicos no Cariri fazem da cultura um caminho de sustento e movimentam a economia local (Foto: Reprodução)

Mestres populares transformam a cultura em sustento, no Cariri. Claudiana Mourato/Secult/Thiago Gadelha Na região do Cariri, no Ceará, o reconhecimento artístico dos mestres da cultura popular também impulsionam transformações econômicas nas cidades onde vivem. De Nova Olinda a Juazeiro do Norte, o projeto dos museus orgânicos, criado pelo Sesc Ceará em parceria com a Fundação Casa Grande, movimentam a economia local, geram renda, fortalecem o turismo e transformam vidas — tudo isso sem perder a essência do Cariri. Dezessete dos museus orgânicos do Ceará estão em cidades do Cariri. Depois de conhecer os mestres brincantes e os guardiões da natureza e da ancestralidade, esta terceira reportagem revela como a cultura também pode ser sustento. Confira: ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp VEJA TAMBÉM: Mestres da cultura transformam as tradições em patrimônio no Cariri; conheça os museus orgânicos do Ceará Resistência viva: Museus Orgânicos do Cariri preservam memória, natureza e ancestralidade Memória costurada à mão Mestre Espedito Seleiro tornou o próprio artesanato reconhecido mundialmente. Thiago Gadelha/Sistema Verdes Mares Em Nova Olinda, cidade de pouco mais de 15 mil habitantes no interior do Ceará, a arte virou motor de desenvolvimento. O Museu do Ciclo do Couro – Memorial Espedito Seleiro, inaugurado em 2014, é um dos principais pontos turísticos da região e atrai visitantes de todo o Brasil e até do exterior. O espaço celebra a trajetória do mestre Espedito Seleiro, artesão que há mais de 70 anos transforma o couro em arte. Natural de Arneiroz, ele começou a trabalhar aos oito anos e nunca mais parou. Hoje, aos 85, mantém viva a tradição herdada do pai, avô e bisavô — todos seleiros. "Se eu parar, eu morro. Todo dia, quatro da manhã, eu tô aqui. Eu gosto. Faço porque amo", diz Espedito, que criou um estilo próprio e colorido, reconhecido internacionalmente. No museu, é possível ver selas, gibões, sandálias, chapéus, móveis e até uma máquina de costura com brasão, herança do bisavô. O espaço também guarda troféus, títulos e homenagens recebidas ao longo da carreira. “A coisa que eu mais pedi a Deus foi que meu trabalho fosse reconhecido. Não só no Brasil, mas no mundo. Quis deixar em Nova Olinda um lugar que mostrasse a vida do ‘caba’ do sertão”, afirma o mestre. Redes que entrelaçam gerações Dona Dinha é mestra na arte de tecer redes de dormir, em Nova Olinda, no Ceará. Secult/CE A poucos metros dali, outro museu orgânico preserva saberes ancestrais: o Museu Casa Oficina de Dona Dinha. Raimunda Ana da Silva, de 74 anos, é mestra na arte de tecer redes de dormir — símbolo da cultura nordestina com raízes indígenas. Ela aprendeu sozinha, aos 12 anos, observando o tear manual. “Minha irmã não pôde me ensinar, mas eu disse: Deus vai me ensinar. E ensinou”, conta. Desde 2019, sua casa virou museu. A mudança trouxe conforto e visibilidade. “Antes eu trabalhava no sol, botava rede pra tapar. Hoje tá uma maravilha. O povo vem de longe e compra. Não preciso mais andar com rede nas costas”, comemora. Mas não é somente a Dona Dinha que tem se beneficiado com o projeto. Para a pesquisadora e museóloga Fabiana Barbosa, é uma espécie de turismo comunitário que acaba beneficiando vários setores. "Essa experiência impacta o cotidiano do mestre que concebe esse espaço/casa agora como espaço museal e colabora diretamente para a geração de renda, para movimentação de pessoas, para a circulação de conteúdo, para trocas e aprendizados. A casa da Dona Dinha, do mestre Espedito Seleiro passam a ser, além de espaço de visitação, de educação e de troca. É uma casa aberta para aprendizado. E as pessoas que visitam podem adentrar ainda mais na cultura cearense, através desses porta-vozes. Eu acredito que a comunidade ganha muito por estar vivenciando essa história", explica Fabiana. O museu que nasceu das mãos na terra Em Missão Velha, Maria do Socorro molda peças de barro. Arquivo pessoal Em Missão Velha, o barro não é apenas matéria-prima — é memória, sustento e expressão. É com ele que Maria do Socorro Nascimento, mais conhecida como Corrinha, molda há décadas não só peças artesanais, mas também sua própria história. Moradora da zona rural, Corrinha cresceu entre a roça e a olaria improvisada que dividia espaço com os afazeres do campo. Foi ali, entre o fogão de lenha e o barro vermelho, que ela descobriu o dom de transformar o simples em arte. “A gente cuida da casa, vai pra roça, depois venho e vou pra olaria. É muito gratificante poder mostrar o dom de Deus na nossa vida e compartilhar com quem vem conhecer e colocar a mão na massa”, conta, com o sorriso de quem sabe que o barro também cura. Em 2022, sua casa virou o Museu Oficina Corrinha Mão na Massa, parte do projeto dos museus orgânicos do Cariri. O espaço, antes improvisado, ganhou estrutura profissional e passou a receber visitantes de várias partes do Brasil — e do mundo. Hoje, as peças de Corrinha cruzam fronteiras e complementam a renda da família. Mais do que um ponto turístico, o museu é um convite à experiência. Quem chega por lá não apenas observa: participa, aprende, se suja, se emociona. “Aqui o povo vem, coloca a mão na massa, se diverte. E sai levando um pedacinho da nossa história”, diz a ceramista. O barro, que já foi visto como coisa de gente simples, virou patrimônio. E Corrinha, com suas mãos firmes e coração generoso, virou referência. Em Missão Velha, a arte brota da terra — e floresce nas mãos de quem nunca deixou de acreditar. Doce que virou memória: o sabor do Cariri preservado em um museu de Juazeiro do Norte Na Casa do Doce João Martins são feitos 11 tipos de doces tradicionais com as mesmas receitas desde a fundação. Claudiana Mourato/SVM No centro movimentado de Juazeiro do Norte, entre lojas e calçadas cheias, há um lugar onde o tempo parece desacelerar. É o Museu Casa do Doce João Martins, que há mais de 60 anos mantém viva uma tradição que atravessa gerações: os sabores do Cariri. São 11 tipos de doces tradicionais — leite, gergelim, batata-doce, mamão — feitos com as mesmas receitas desde a fundação. “O doce de leite é o carro-chefe. É o mais procurado”, conta o gerente Sebastião Manoel de Oliveira, com orgulho de quem vê o passado adoçar o presente. Desde que o comércio se transformou em museu, em parceria com o projeto dos museus orgânicos do Sesc/Ceará, muita coisa mudou. “O rendimento melhorou, o faturamento cresceu. Hoje, 12 famílias tiram seu sustento daqui. Recebemos visitantes de todo o Brasil e até de outros países, como França e Inglaterra. Alguns vêm com intérprete”, revela Sebastião. A operadora de caixa Larismar Batista confirma: “É uma memória afetiva. As pessoas chegam e dizem que sempre vieram aqui. Faz parte da história de Juazeiro.” Mais do que um ponto de venda, o espaço virou parada obrigatória para quem quer sentir o gosto da cultura local. O professor André Luiz, em visita ao museu, resume a experiência: “Sou fã da cultura do Cariri. Esse lugar remete à história de Juazeiro. Sempre depois do almoço, um docinho de leite é essencial.” O guia de turismo Marcelino de Lima veio de Fortaleza e trouxe a esposa para conhecer o espaço. “Tem um doce conhecido como espécie, o de gergelim. Já tenho encomenda pra ele. Essa dinâmica de museu, de entrar na casa das pessoas, ver a produção... é uma experiência maravilhosa”, diz, encantado. Em Juazeiro do Norte, o doce virou patrimônio. E cada colherada carrega não só sabor, mas também história, afeto e identidade. Porque no Cariri, cultura também se serve em bandeja — e se saboreia com o coração. Cultura como semente e sustento Restaurantes, pousadas, comércios e serviços locais se beneficiam do fluxo turístico gerado pelos museus. Secult/CE No Cariri cearense, a cultura não é apenas memória — é também renda, identidade e futuro. Os museus orgânicos têm se revelado muito mais do que espaços de preservação: são motores que impulsionam a economia local, geram empregos e fortalecem o sentimento de pertencimento. Em Nova Olinda, por exemplo, a tradição virou sustento. “Eles movem a economia, acolhem o turista e educam os nossos jovens”, resume a secretária de Cultura, Yanna Nayra. A cidade, que abriga o primeiro museu orgânico do estado — o Memorial Espedito Seleiro —, viu sua rotina mudar com a chegada de visitantes de todo o Brasil e até de outros países. “Quando o pessoal vem visitar, vem por causa da cultura. Eles vêm para os museus, mas têm que comer, beber, dormir. Isso ajuda todo mundo da nossa cidade”, reforça o mestre Espedito Seleiro, que há mais de 70 anos transforma couro em arte e legado. O impacto é visível. Restaurantes, pousadas, comércios e serviços locais se beneficiam do fluxo turístico gerado pelos museus. E o reconhecimento vai além das fronteiras do estado. Os museus orgânicos do Cariri foram incluídos no catálogo do Instituto Brasileiro de Museologia, ganhando projeção nacional e internacional. “O Cariri é uma capital cultural que representa o Ceará, o Nordeste. O Brasil tem uma sede cultural por aqui. É um povo que consegue preservar uma série de artes milenares. A chapada abraça tudo isso e garante morada aos mestres da cultura popular”, destaca Henrique Javi, superintendente do Sistema Fecomércio. Mais do que preservar o passado, os museus orgânicos plantam sementes para o futuro. E no solo fértil da Chapada do Araripe, essas sementes florescem em forma de arte, educação, turismo e dignidade. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará